terça-feira, 1 de maio de 2012

Linguagem

     Depois de ficar dois dias sem postar nada, trago um texto de um livro chamado "Sejam sábios, tornem-se profetas" De Georges Charpak ( Nobel de Física, 1992) & Roland Omnès. Esse livro é realmente muito interessante, vai inspirar muitos textos ainda e me fez aprender a nunca menosprezar uma feirinha de livro em um supermercado. (o que eu já não fazia, mas agora as chances de que eu faça desceram a zero).
    Neste trecho, ainda no começo do livro, eles escrevem uma fábula sobre o Paleolítico.

Novas revelações sobre a Era Paleolítica

     Há muito tempo, tanto tempo que podemos dizer que era uma vez um demiurgo e sua companheira... " Um demiurgo, que é isto?, poderão perguntar. Segundo os dicionários, os demiurgos eram divindades secundárias na tradição platônica. Um deles foi, inclusive, elevado pelos cátaros do Sul da França à posição de deus do Mal e criador desastroso do mundo! De nossa parte, acreditamos que os demiurgos são artesãos aos quais Deus encomenda projetos inéditos, mundos surpreendentes, espetáculos, teoremas ou jóias vivas, em suma, tudo que seja capaz de distrair um Todo-Poderoso. "Surpreendam-me, inventem algo inteligente!", diz Ele, sempre que preside um de seus congressos.
     A nosso casal de demiurgos ocorrera em outros tempos a ideia de inventar o homem. O protótipo que então apresentaram era sedutor — sobretudo em sua versão feminina —, e não faltavam ao modelo graça e sofisticação. " Ele foi feito à Minha imagem e se parece comigo", dissera Deus. " Gostei. Vou criá-lo" Criar não é fácil quando temos de respeitar as leis que nós mesmos promulgamos e levar em conta a jurisprudência acumulada ao longo de toda a história do mundo. Felizmente, Deus é sutil, como diria seu amigo Einstein — que também era um demiurgo —, e assim, manipulando, colando e transformando alguns genes de macaco, levou o projeto de homem à linha de montagem. Isto aconteceu há milhões de anos, e até hoje discute-se sobre a data exata e o local da inauguração.
     Mas há cerca de 200 mil anos, ou seja, na época do era uma vez, o demiurgo e sua companheira estavam perplexos. "Muito bem!", dissera-lhes Deus naquele dia, "e o homem, como vai? Já está na hora de me proporem uma continuação. O australopiteco não foi nada mal, a invenção do fogo pelo Homo erectus foi um excelente achado, mas que coisa mais demorada, parece que não acaba nunca! Vamos, um pouco de imaginação!" (Deus é generoso com a concorrência). Nossos dois demiurgos imediatamente trataram de lançar mão de compassos, lápis e bisturis. O masculino encontrou um título que inscrevera em letras grandes em sua folha, "Homem I", mas o apagou, substituindo-o por "Homo sapiens". Mas o restante da página continuava desalentadoramente em branco. " Precisamos de um bom roteiro" disse ele, pensando alto, "algo romântico, quem sabe, embalado no canto dos pássaros e no murmúrio do vento". Acontece que para os espíritos criativos, e logo, também, para os demiurgos, não existe  a menor diferença entre imaginar uma história e vê-la acontecendo como num filme, de modo que foi o seguinte que eles viram.
     A câmera celeste descortinava aos seus olhos florestas virgens, pontuadas aqui e ali por clareiras e rios cristalinos. Por toda parte eles viam animais, em bandos ou solitários, e ficaram espantados com a pequena quantidade de homens. Mas logo entenderam o motivo. Aqueles que conseguiam ver pareciam uma caça asustada como outra qualquer. De dia e de noite, serviam de presa aos maqueirodontes [...]. Foi ela quem falou primeiro:
     " — Algo não deu certo em nossa programação, e acho que sei o que foi...
     — Você esta falando da multiplicação das feras? Mas não podemos fazer nada; a equação que liga as populações de predadores às presas é incontestável, e o resultado do cálculo, inevitável. O que quer que façamos não haverá saída.
     — Não foi o que eu quis dizer. Você não percebeu os gritos emitidos pelos humanos quando o Dinofelis entrou na caverna, pulando por cima da fogueira? Eles piavam, gemiam, grunhiam e alguns até rugiam...
     — O que não surpreende, considerando-se as circunstâncias.
     — Mas você não está entendendo, eles não falavam!"

2 comentários:

  1. Senso incomun, com n. Pois bem.
    Da essência abstrata da idea a ação humana concreta. Do senso comum das grandes massas aos progressos pensados pelas exceções.
    exceção pensa <-> massa constrói.
    Continue com os escritos,Arthur.Comum ou incomun, se faz necessário o pensar!

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  2. sim se faz. E que aqui o "incomun" impere. Que o pensar impere.
    Vou dar uma olhada nas suas poesias ^^

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