quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A dor da cura

     Um copo de suco de beterraba e cenoura,  uma refeição de quiabo, batatas, arroz e feijão me acompanham na escrita desse texto. Estou no meio de uma rotina recém-adotada pela minha pessoa - cai entre nós que ela é meio cansativa - mas retiro precioso tempo de meu dia para escrever.
     Eu estou perdido, como sempre, não?
     Você... que acompanhou alguns textos desse blog, o quanto você já não me viu questionar, apresentar e debater comigo mesmo? Você que talvez tenha essas como minhas primeiras palavras, e espero sempre que elas sejam acolhidas com a mesma intensidade com que escrevo-as, deve saber que meu ser está em constante turbulência, e a maresia é premonitória de um acesso de raiva ou da profunda tristeza que por vezes me acomete. 
     A estabilidade. Preciosidade do nosso universo, eu diria. Todo sistema estável tende a perpetuar-se. E quando digo estável, não quero dizer inerme ou fixo, visto que vejo o próprio caos - nas circunstâncias corretas - como exemplo de estabilidade.
     Falho em responder se sou instável ou o oposto. O que posso dizer é que, de tempos em tempos, meu ser condena-se a uma intensa vigília que culmina no ato de escrever e/ou numa ação mais "concreta" da minha pessoa, por vezes uma mudança de postura. 
     Conscientizo-me de que muito mudei desde meus primeiros rabiscos sérios neste blog. Foi uma transição saborosa e transbordante de mim. Mas agora, à meu próprio pedido, respondo que a principal diferença entre este que vos escreve e aquele que há tempos fez o mesmo é a gradual percepção que a razão me falha, por mais que eu quisesse negá-lo. 
    Numerosas vezes ao dia, e por mais que tente ser racional, só irei fazê-lo em momentos nos quais minha então serenidade não permitirá senão apenas isso. Noutros momentos (tristes, não por serem taciturnos, é que entristecem-me por sua existência) em que me perco por entre meus traumas, a maioria dos esforços são em vão.
     Isto se dá porque a situação capaz de desestabilizar o indivíduo é justamente a última que ele desejaria tratar racionalmente e, salvo a raiva mais animalesca, o sentimento de fúria está intimamente relacionado com o medo.
    Existem vários fronts de combate. A maioria deles se dá sanguinária e violentamente em gigantescos campos abertos, posteriormente tingidos do vermelho vivo de cada combatente, podendo ser cada um uma pessoa ou uma pessoa cada um deles. Lutamos. Convivemos. Temos nosso próprio exército, convocado pela evolução e pela sociedade humana. 
     Porém, não são essas as mais difíceis batalhas de serem travadas. 


     Dentro duas tuas muralhas

     " - Afirmaste certa vez - disse-me um dia - que a música te agradava por ser totalmente destituída de moralidade. Está certo. Mas o que importa é que também tu não sejas moralista. Não há por que te comparares com os demais, e  se a natureza te criou para morcego, não deves aspirar a ser avestruz. às vezes te consideras por demais esquisito e te reprovas por seguires caminhos diversos dos da maioria. Deixa-te disso. Contempla o fogo, as nuvens e quando surgirem presságios e as vozes soarem em tua alma abandona-te a elas sem perguntares se isso convém ou é do gosto do senhor teu pai ou do professor ou de algum bom deus qualquer. Com isso só conseguimos perder-nos, entrar na escala burguesa e fossilizar-nos. Meu caro Sinclair, nosso deus se chama Abraxas e é deus e demônio a um só tempo; sintetiza em si o mundo luminoso e o obscuro. Abraxas nada tem a opor a qualquer de teus pensamentos e a qualquer de teus sonhos. Não te esqueças disso. Mas abandonar-te-á quando chegares a ser normal ou irrepreensível. Abandonar-te-á em busca de outro cadinho onde possa cozer seus pensamentos." 

     Longe de mim está a intenção em discorrer sobre as dualidades. Tamanha barroquice não se encaixaria em meu pensamento, pois é tão contraditória às minhas ideias quanto firmar-se numa premissa que é baseada num pensamento que a nega.
     Invocar conceitos como o certo e o errado também não me ajudarão neste texto, porém, posso deslizar nossa conversa sobre alguns pensamentos existenciais que me ajudarão a expressar tamanho desejo. 
     Escrevi sobre o Reconhecimento Egoísta no último texto que postei. Fechei-o com a frase: "O fato de que todo mundo é sozinho, me consola." A mais pura verdade sobre a minha pessoa, e apresentei o fruto da minha árdua busca por uma solução para o egoísmo humano. Reconhecer o próprio egoísmo no outro, para que assim querer teu bem poderia ser um interesse de muitos outros além do seu próprio. 
     O mais interessante de conversar com o ser humano puramente egoísta dentro de cada um é que não importa o quanto você, prezado leitor, tente impedir. Posso conversar livremente com esse teu lado considerado obscuro, com sua anuência ou não. 
     Claro que se o puro egoísmo faz parte das masmorras do teu ser, assim o é porque ainda não se atreveu a pensar livremente, a cultuar o nada, o neutro. Há quem diga que o nada é a ausência, e que o neutro é o cancelamento; o zero. Não os vejo assim, e se tomasse tais termos para aludi-los não faço pensando na ausência, mas sim na presença de dois opostos. 
      Às masmorras do teu ser, nada que te pertence deverá ser atirado. Tudo que te faz deve permanecer ao lado de toda sua guarnição, pois somente assim será rei de tudo, dos cavaleiros, da plebeia, dos mercenários e assassinos que são tu. 
     O trecho de Demian pareceu-me assaz oportuno para dizer sobre meu estado atual, ao mesmo tempo que compartilho convosco tamanhas relíquias (excerto e o pensamento nele contido). 
     Não leve para dentro dos teus muros a lei do outro. Que transpareça apenas o que tu permitires, mas nunca permitas que habitem a sua mente preceitos e condenações. Seja demônio e deus ao mesmo tempo.
     Antes de falar do obscuro de um castelo mal-assombrado, peço que nenhum homem seja esquecido da tua armada, senão, sucumbirás.
     
      Intocáveis

Hello darkness, my old friend
I've come to talk with you again
Because a vision softly creeping
Left it's seed while I was sleeping
And the vision that was planted in my brain
Still remains within the sound of silence

     Incubo-me de não permitir que olvides de minha afirmação sobre as guerras travadas. O sentimento nelas contido é de exasperação, encorajadores estandartes crescem de um imenso exército, o ar da batalha está no sangue de cada combatente.
     O desgaste é incomensurável. O preço simplesmente muito alto. Mas reitero: existem desafios mais árduos, mais assustadores, eu diria. 
     E então invoco meu objeto de análise que apareceu timidamente no primeiro subtexto; medo. O medo do escuro nunca nos abandonará, ele só transmuta-se, para nosso horror. 
     Primeiramente é preciso nos organizar, pois quero exatamente chegar naquilo que te perturba. Para isso descreverei, e rogo pela sua máxima atenção. 
     Com o tempo é via de regra percebermos que existem certos assuntos que nos perturbam de uma maneira estranha, excêntrica. Muitas vezes não conseguimos achar um motivo racional para tamanho desiquilíbrio estabelecido quando alguém toca nesses pontos. Porém, quando nos inserimos nesse estado, a consciência de como estamos nos comportamentos esvanece. E é por isso que será muito difícil encontrá-lo, naturalmente não queremos pensar nele, evitar, evitar, evitar; essa é a ordem geral do nosso cérebro. Portanto se esforce. 
     Nossas grandes falhas, principalmente nossas piores frustrações. Procures por aí. O ato de conscientização é tudo, por isso, o mais difícil de se concretizar. Ter consciência por exemplo, que vens negando todas essas frustrações por meio de desculpas, e não me refiro preferencialmente àquelas dadas aos outros, e sim as mentiras que contas para ti mesmo.
     Porque dói reconhecer... a realidade, a incerteza, e aqui perdemos a batalha. O medo finalmente se apodera, a morte reina e leva não apenas os mortos, mas a essência dos vivos. Retornando à perspectiva na qual estais sozinhos, porque não encarar? Encara-te. Tenho me voltado para essa batalha às cegas ultimamente. 
     Eu vejo as pessoas o meu redor esperando outros de mim. Eu não vivo meu eu mais genuíno, e isso me corrói, me desespera pensar que posso estar omitindo a informação mais valiosa que poderia compartilhar com o universo. E pior, escondo-a de mim mesmo. As amarras nunca são completamente cerradas, existe uma maneira de fugir, de libertar-se.
     E se ainda tenta convencer-te que não existe mais possibilidade, lanço uma luz - talvez - e digo que há de se desprender das pessoas, pois como disse anteriormente essas não acompanharão tua jornada, não são garantias, tal como nossa permanência aqui não é. Pense... e que isso não soe como uma filosofia barata, isso me enoja. Não se trata de uma conversa de fim de semana, de um papo jogado fora, de uma tentativa de mostrar sua inteligência disfarçada numa conversa racional... Longe disso, eu nunca escrevi para mostrar filosofias, sim, escrevo para ver o que vós achais da minha escrita, dos meus pensamentos, para identificar se compartilham...
     Eu disse anteriormente que estou aprendendo a enxergar quando normalmente ficaria cego, pois eis que digo que com toda certeza possuir esse blog faz com que meu ego se inflame, reconheço. Admito que muitas vezes tomo gosto por fazer meu conhecimento ser apreciado por meus mestres, e por aqueles que admiro em contrapartida, mas nunca foi apenas isso, na verdade, ao reconhecer posso dizer realmente que foi um verdadeiro monólogo. Escondido atrás de uma árvore recitando palavras, porém ansiando por que alguém que por ali passasse ouvisse-as e me desse sua atenção. Pois também me sinto sozinho.
      Tudo isso é verdade, mas esbarra no nojo em que sinto dessa mesma atitude. Talvez tão indissociável que é preciso sofrer para encará-la. Eu tô a fim de levantar dessa sombra e seguir um novo caminho. 
      Mas não, não ouseis dizer que venho aqui e jogo tudo isso ao léu, esperando reconhecimento, esperando que aumente meu ego e apenas! Existe um motivo para mostrar tudo aquilo que sei para meus mestres, para olhar com um olhar diferente para aqueles que à mim se apresentam interessantes. É porque é do meu maior interesse provocá-los, ver o que reside dentro de cada um... E sei, sei que nada ganho em admitir tudo isso, e como eu mesmo disse, o egoísmo humano antecede todas suas intenções por mais nobres que possam parecer. 
     Eu menti quando disse que encontraríamos o que te perturba. Não existe maneira confiável de se fazê-lo aqui, porém, entreguei tamanha confissão, pois não pensei em melhor forma para demonstrar. E vou além, ao fazer isso, comecei a viver um pouco mais do meu eu verdadeiro, obrigado por ser meu comensal nessa experiência. 
     E por isso que acho várias conversas tão vazias, porque não consigo sentir genuinidade, amor a um conhecimento ou outro. Ver muitas coisas que faço apenas por aparência e omitir meu verdadeiro eu; são essas atitudes que me assombram, e não existe melhor palavra para se descrever esse sentimento.
     




Existe muito mais para se dizer, mas muitas vezes são palavras amargas, amargas como o gosto do remédio. Duras de se encarar e que causam dor, uma dor que vamos procurar evitar até nossos últimos dias, a dor necessária para sarar.

Pois havia frango no meu jantar.