quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Biocida

     O famoso Design inteligente me parece muito careta. Se foi mesmo engenhoso, usou toda inteligência para criar o maior jogo de sadismo que esse universo já viu. E nesse teatro macabro, atuamos nós, seres humanos, sem ensaio, muito menos roteiro.
     Faz-se necessário observar as extremas dificuldades enfrentadas por espécimes em meio natural. A Natureza é árdua, a princípio. A maioria dos nichos é perigosa e põe os animais em constante luta pela sobrevivência. A incessante luta, já é suficiente para entreter o animal.
     Quando essa questão é analisada com essa ideia de vida como uma distração, ela torna-se algo incrível. Seguindo porém, outra linha de raciocínio, a vida desde o início é um grande mistério, em si é o maior exemplo de que a curiosidade matou o gato.
     Aparentemente não detectamos a vida propriamente dita em outros planetas, o que mostra o quão rara essa formação é; de fato, o ser vivo é convidado por si mesmo para um universo que não precisa dele. A não ser é claro, para que o universo tenha consciência de si. O que me diz de um planeta inabitado, no qual sua atmosfera começa a gerar reações químicas que darão gênese às primeiras substâncias orgânicas?
     A vida começa sem ser convidada, estrutura-se de uma maneira completamente aloprada, mas harmônica. Aloprada pois as interações entre os seres vivos são, com toda certeza, aquilo que poderíamos comparar às ligações nos átomos, ao cimento nos edifícios e a costura nas vestes.
     Vou dizer o que a Mestra fez, é claro, não vou ensinar nada, somente apresentarei  uma ótica interessante. Sua estratégia é de auto-sacrifício, visando sua mantença.
     É importante frisar que  falo da Vida como um tudo, mas seria impossível tentar falar sobre o todo sem aquilo do que ele é formado; os seres vivos. Além disso, cabe colocar aqui a definição que irei usar na maior parte do texto, sendo a vida um período entre o nascimento e a morte. Pois bem.

A dor como ingrediente da vida

     Algum infeliz, que aliás, foi feliz num ato, deu um empurrãozinho e hoje vemos tamanha diversidade na nossa biosfera. As responsáveis, naturalmente, foram as leis físicas que regem nosso universo. A partir daí espalhou-se por todo o globo, se foi um processo mais lento em certas épocas, agilizou-se com a Explosão Cambriana.
     Encontro importantíssimos três estágios. O primeiro deles é a transição entre o vivo e o morto, o que é explicado pelo ciclo dos organismos. Se algo está vivo, é porque antes estava "morto", e vai morrer novamente. Então quando o desenvolvimento de um indivíduo  se dá por meio de compostos inorgânicos e orgânicos, ele inevitavelmente vai voltar a ser apenas esses compostos, então forma-se o paradoxo:  A vida consiste em animar o inanimado, mas não consegue se manter sem tornar-se novamente inanimada.
     Se acabássemos com todos os ciclos de todos organismos, matando-os, nada haveria de diferente daquele momento em que só haviam substâncias "mortas", cerca de 3 bilhões de anos atrás. A não ser uma condição muito mais propícia para que tudo se reciclasse.
     O segundo estágio é quando ocorre uma relação de prejuízo (ou relação desarmônica, se preferir) entre seres vivos. Os heterotróficos explicam muito bem esse processo de sacrifícios - mencionado anteriormente. A Vida é a única manifestação conceitual que precisa provocar danos a si mesma para desenvolver. (Estou transitando entre a perspectiva do todo e do indivíduo)
    Se um elemento preda o outro, é com certeza um prejuízo total para a presa, mas também é a única forma do predador progredir. Temos: É preciso avariar, ou seja, inanimar para que possa, por sua vez, criar novos indivíduos e manter outros.
     O terceiro, e precursor de muitos problemas, é o aparecimento de uma sistema nervoso mais complexo, que aumenta a sensibilidade e reação ao meio. Com isso, possibilidades como sentir dor, prazer, e uma gama de estímulos transformam-se em realidade. É nessa parte em que pergunto o quão longe essa Mestra já não foi, e se não deveria parar por aí.
     A natureza é a criança educada, munida de uma lupa num dia ensolarado, ela sorri e diz: Que venham à mim as formiguinhas!
     Minha intenção é plantar a mesma dúvida que me atormenta: A evolução, o desenvolvimento dos seres vivos, os processos de adaptação e seleção natural, e principalmente a possibilidade da criação de um Campo subjetivo nos seres humanos, tudo isso, é imbuído de que valor moral?
     
Um marinheiro confuso, num barco sem rumo

     A condição de tornar-se um organismo, ou seja, tudo que proporciona isso, é uma avalanche de mecanismos harmônicos que trabalham, gerando essa enorme biodiversidade. Até alguns milhares (ou talvez milhões) de anos atrás, nenhum ser tinha a consciência de sua estadia. Eis que surge um mais intrometido que a própria vida! E entende um período pelo qual tem noção do seu metabolismo, da suas atividades nesse mundo. 
     Nos interessa antes disso acontecer, por enquanto. Antes desse evento catastrófico, o que poderíamos dizer? O que mais me persegue é o fato de que a vida não possui sentido para qualquer um!      
     Qual o sentido da vida de um animal? Ele luta por sua sobrevivência, faz tudo apenas para continuar vivendo? NÃO! Ele faz isso para continuar vivendo e para REPRODUZIR-SE. Sim, tudo gira em torno de passar seus genes adiante, mas qual a finalidade disso? Bem, evoluir. Criar mais e mais vida, para que isso se repita indefinidamente, passando por altos e baixos, evolução, extinção...
     Eu não sei se estou me induzindo a crer, mas não está presente uma enorme dose de sadismo aqui? Quero dizer, estamos a par das condições do mundo natural (a maioria de nós) e sabemos que nada de bonito há no leãozinho que retira da zebra o seu alimento, matando-a. Muito menos no dragão-de-komodo, que mesmo a sua presa escapando de um ataque, estará morta em alguns dias devido a uma infecção generalizada oriunda da mordida do lagarto. Simples assim, um coquetel de bactérias e uma morte lenta e dolorosa.
     Represento com esse subtítulo, a experiência que toda forma de vida no nosso planeta está submetida. Pense comigo, que por exemplo, o número de bactérias na sua pele é maior que o número total de células do seu corpo, e que foi de um indivíduo primitivo como esse que possibilitou que você, primata do gênero Homo seja como é.
     Somos os poucos, os ínfimos tripulantes conscientes de uma expedição gigantesca chamada Vida.
   
Consciência

     Nunca foi meu desejo tomar as dores da humanidade e me corroer com tamanha desgraça e tantas histórias horríveis. Porque assim o são.
     Nunca foi meu desejo fazer-me manifestação dessa vida. Ter consciência. É a palavra mais pesada que já aprendi. Seria necessário um léxico de uma dúzia de escritores clássicos para equiparar-se a essa palavra. 
     Por causa dessa coisa chamada consciência, nós refletimos muito. Acabamos inventando um mundo. É o que defendo. A nossa vida hoje, é baseada em ideias tão alheias ao mundo natural, coisas que surgiram da imaginação de algumas mulheres e homens. Dinheiro. Filosofia. História.
     Estabelecendo uma exemplificação: Um leão que mata um búfalo para alimentar-se. O leão é um animal restritamente carnívoro, não podendo obter seu alimento de qualquer outra fonte que não seja carne. Esse cenário é imperturbável quando analisado assim, mas basta adicionar a Consciência que temos um conflito instantâneo. BOOM! O processo de morte envolvido é extremamente doloroso, além de cessar ali uma vida. Mas por outro lado, se o leão não alimentar-se do búfalo, quem morrerá (de maneira não-menos cruel) será ele. E aqui retorno ao primeiro subtítulo, por que a vida deve que se firmar de modo que sempre haverá essa relação desarmônica, haveria algum tipo de Evolução que não incluísse a dor e essa constante disputa? Por que a vida é essa constante disputa? Essa seleção natural, selecionados para quê? Por que, ó raios, o leão tem que matar para viver, caso contrário morrerá?
     Agora, como ser humano, posso escolher entre matar um animal ou optar por uma dieta vegetariana. Porque sou naturalmente habilitado a ter uma dieta onívora. Imaginemos agora então, um cenário em que o ser humano seria um ser estritamente carnívoro, como o leão, mas ainda dotado de consciência, ou seja, tendo a ciência da dor causada à presa. Então, o que se haveria de fazer? Para que não me atenha apenas a natureza do heterótrofo, que tal se as plantas possuíssem uma sensibilidade igual aos animais, de modo que em qualquer dieta o sofrimento fosse gerado. O que seria moralmente correto?
     Esse é o grande problema, a priori, aqui não existe moralmente, muito menos correto. Esse é o léu desse mar caótico que navegamos, só que dotados de uma espécie de bússola traiçoeira; a noção do "mal" que causamos. Mas agora, a parte de qualquer mal que causemos, também aponto: Ora, minha natureza, você mesma se construiu com violência e dor. Como acha que seus filhos dotados de consciência devem se comportar?
     É claro que ela não me responde. É claro que ninguém me responde, nem eu mesmo. Mas isso não me desanima. Porém, eu preciso terminar o que comecei aqui, então sigo.
     Nós sempre queremos nos colocar de uma maneira distante dos animais, como civilizados. Sempre procuramos nos afastar daquilo que é selvagem, inculto, primitivo, aparentemente irracional. Conseguimos? Sim, grande parte do tempo para uma minoria de pessoas. Essas, providas de todo o tipo de conforto, podem sim ficarem alheias ao comportamento considerado selvagem.
     E acho que é uma bela proposta, se não fosse aplicada de maneira tão errada, e cruel.
     Seria boa se procurássemos nos afastar da dor provocada conscientemente na natureza. Me pego rindo num momento desses dos texto, porque penso no que todas as nossas leis são baseadas, e como o ser humano é contraditório. Um assassino, por que é condenado? Por que matou? Então, mas o câncer mata muitas pessoas, não só uma, como nosso amigo assassino, mas milhões. Tal qual a tuberculose. Por que não existe uma legislação específica para determinar a pena dessas doenças? Certo. Que exemplo ridículo, pensemos então num acidente em um zoológico, em que um crocodilo ataca uma criança e a mata. Ele poderia ser julgado, condenado.
     Se é então, a noção ao cometer um crime que condiciona a condenação, que prendam a raça humana! Estamos matando crianças de fome ( não se preocupem, é normal um leão matar uma cria que não tem seus genes), fomentando guerras (chimpanzés são extremamente territorialistas, travando sangrentas disputas entre as coalizões*) promovendo um holocausto sobre bilhões de animais terrestres e marinhos para alimentar a boca de uma pequena parcela da população (lobos comem alces; ursos-marinhos focas; cobras ratos; e crocodilos qualquer presa) sendo que para que isso seja possível, milhões de hectares destinados apenas a alimentação animal (para que dar os grãos diretamente às pessoas, não?). Mães abandonam seus filhos (a fêmea de uma espécie de besouro come parte da sua cria, caso falte alimento).
     Sim, a vida é uma mistura de belo e feio. Dor e prazer. Na medida certa? Pensando no conjunto, talvez, analisando-se cada indivíduo, não.
     Levou-se bilhões de anos - considerando que apenas o ser humano desenvolver uma consciência no universo - para que a Natureza pudesse olhar-se no espelho. Somos feitos de material estelar. É isso o que somos, e estamos provando de uma visão que nunca antes foi possível. Esquecemos nossas verdadeiras origens, não planos divinos ou qualquer tipo de predestinação.
     Após evocar todas essas questões, e ainda deixarei muito em aberto. Após tocar na ferida, e analisar o que é a vida, essa coisa que nos envolve, que nos é. Partindo das comparações e nunca nos esquecendo da nossa própria história, de quanto ódio foi produzido, de quanto amor foi cultivado. É com essa melancolia, reflexão, sobre o que é a humanidade nisso tudo, que eu gostaria de deixá-lo, a sós, talvez não tão sozinho, pois tem minhas palavras... Mas acima de tudo, deixo-lhe novamente o convite, de pensar por todos, e seriamente, perguntar se a sua vida é isso mesmo que você já planejou, construída nos precários suportes do amanhã. Pois caso você não se lembre, o futuro é incerto, e o câncer ainda não foi preso.