domingo, 1 de dezembro de 2013

Uma paz nociva

Hoje foi um dia curioso.

     Gostaria de escrever sobre mim.
   
     Terminei há alguns dias o livro Sidarta, do Hermann Hesse. Confesso que foi uma leitura incrível, me fazendo procurar por cada gota de saber contida ali. É claro que eu pude abrir apenas uma pequena fenda de um enorme dique.
     A leitura me intrigou muito. Casou-me pertubação, dúvida e intensa vigília para entender tamanho emaranhado de conflitos. Essa busca estarrecedora, e acima de tudo, intensa, de Sidarta, me cativou até o último instante. E é por isso que estou aqui.
     O fato que mais atraiu minha atenção, é justamente a inconstância dessa busca. Ela não é uniforme, inalterável e pacífica. Ela muda a todo momento, e mais importante ainda, aquele que procura está mudando. Tendo assumido tal fato, encontrei um enorme dilema.
     Ainda mais do que escrever para quem lê, como já mencionei várias vezes, escrevo também para mim. E não só escrevo, como leio, canto, atuo, me expresso. Da parcela que tomo para minha pessoa, retiro meu modo de viver, caracterizado por mudar a cada obra, a cada experiência, como toda pessoa. Porém, eu me atento ao processo, me maravilho com o que consigo perceber.
     Ao analisar uma certa tranquilidade que venho trazendo dentro de mim, fiquei satisfeito. Senti-me feliz por não provocar a discórdia em muitas ocasiões nas quais poderia fazê-lo. Dei-me como realizado por não usar de pretexto algum para levantar a voz, provocar conflitos. Então, desde um grande tempo para cá, venho praticando uma tolerância, aceitação do erro alheio. Que nada tem a ver com paciência, pois essa já pode ter-se esvaído quando me impeço de tomar partido no ciclo do ódio.
     Como tenho espaço para isso (saúdo meu blog) farei um adendo que muito encanta a minha pessoa. Tenho perfeita ciência de que muitos não concordam com o que direi, e não o acham correto, porém, para a minha vida, não encontrei melhor solução - que aliás, como direi pouco à frente, se tornou num enorme problema - do que procurar entender o motivo do sofrimento alheio, e no processo, entender a causa das ações ruins dirigidas a mim. Se alguém sente dor, e por causa disso provoca dor, é mais humano de se entender do que simplesmente cogitar que ela provocou dor sem justificativa alguma. Sei como somos falhos, e sei que precisamos ter essas falhas perdoadas, ou será que não?
     É justamente o conflito no qual me insiro. Ao praticar a tolerância, eu não estaria prejudicando a evolução daquele que me atingiu? Não estaria privando-o de uma censura que poderia-lhe fazer bem? Para melhor ilustrar o problema, decidi colocar aqui um trecho do livro Sidarta.
     "O filho, por sua vez, permitia que o pai se comportasse estupidamente. Tolerava que o velho se empenhasse em conquistá-lo. Humilhava-o diariamente pelos seus caprichos. Aquele pai não tinha nada que o encantasse e ainda menos que lhe inspirasse temor. Era um homem bondoso, o tal pai, um bonachão meigo e brando. Podia ser que fosse um homem muito piedoso, talvez um santo. Mas nenhuma dessas qualidades era suscetível de atrair um menino. Enfadonho, sim, parecia-lhe aquele pai, que o mantinha preso àquela mísera cabana. Sidarta entediava-o, e o fato de ele retribuir a traquinice pelo sorriso, o insulto pela gentileza, a maldade pelo carinho, era precisamente o que se afigurava ao menino como o cúmulo da odiosa astúcia peculiar de um ancião hipócrita. O menino teria preferido mil vezes ser ameaçado ou maltratado pelo pai."
     Ao me lembrar de uma atitude que haveria de provocar uma reação negativa, mas que foram incontáveis as vezes em que permaneci impassível, vezes quais minha única reação não passou de um pensamento de desaprovação, me dei conta de que nada havia de sábio em não censurar. Na verdade era mesquinhez da minha parte. Ingênuo fui!
     Quando imaginei que estaria impedindo a discórdia por não manifestar-me em desaprovação, estava na verdade omitindo a minha parcela de ajuda na evolução alheia! Sei que provocaria atrito, raiva, e sentimentos negativos. Mas então a partir do conflito aquela atitude seria questionada, e com a caminhada do outro, poderia ser repensada.
     O sábio não pode ter amigos. Algo que venho aprendendo é que cada um caminho a seu passo, no seu ritmo. Não adianta sermos expostos ao mesmo conhecimento, às mesmas experiências. Tudo depende de cada. Cada pedacinho dessa vida, tem significado diferente para cada pessoa.
     O sábio atingiu sua meta, ele não pode ajudar na meta dos outros. E o que seriam amigos senão aqueles que estão se ajudando? Aqueles que caminham juntos, não um atrás do outro?


Não para onde irei, mas com quem.

     Fiz essa pergunta. Pode ser que não a responda imediatamente. Mas tenho uma ideia vaga do que é essencial para mim. Eu prezo pelo laço que não distingua corpo, comportamento ou pensamento. Verdadeiro amor incondicional, atingido por aqueles que se desapegam de tudo. Um amor que não dependa de laços sanguíneos, de instintos. 
     É possível olhar para um desconhecido dessa maneira? Amá-lo? É muito difícil, reconheço. Somos na grande maioria, fracos. 
     Decido então, num primeiro momento, buscar sozinho a minha paz. Mas essa paz é tão enganadora, as respostas que busco vão muito além do que algumas palavras podem expressar. Não quero me explicar - este é o ponto - pois as palavras enganam, elas são traiçoeiras. Existe uma verdade muito maior dentro de cada um. E não digo isso num sentido sobrenatural. Estou me referindo justamente ao processo de auto-descoberta. O que é conhecer a si mesmo.
     E no dia de hoje, identifiquei, o principal empecilho a essa caminhada. Passei o dia na casa de uma familiar, e na minha estada, fiquei a par de várias histórias envolvendo uma festa de formatura. O que ouvi foi desde meras fofocas, até críticas sobre o comportamento de algumas pessoas. 
     Indo com calma, dissequei muito do que foi dito, tentei separar o máximo da verdade, e da intenção daqueles que contavam. Percebi algo gritante, porém, não muito novo. Quando a crítica partia para alguns familiares, a postura mudava completamente, enquanto que quando se falava de estranhos, não viam nenhum motivo para ponderar o que se falava. E a leviandade reinou na conversa. 
     O que mais chamou-me a atenção foi a venda colocada por cada um. E então, uma cascata de outras lembranças invadiu meu pensamento. RELIGIÃO. INTOLERÂNCIA. COSTUMES. TRADIÇÃO. 
     E novamente retorno àquilo que vem compondo meu pensamento. A arte do desapego. Pois são de fato, apegados a objetos, ideologias, pessoas, o que seja. E isso impede que usem a razão que jaz em cada um. Admito, que ao entrar em contato com certos tipos de pensamento, acabo por me influenciar e escrever como ser meu norte fosse um pouco mais atraído para esse pensamento. Porém, nunca encontrarei doutrina que se adeque ao meu ser.
     Retorno então a Sócrates. Na filosofia socrática obter o conhecimento é nada mais nada menos que recordar algo que está dentro de cada pessoa. Uso esse processo - e agradeço pelo mesmo ser complexo - para fazer uma analogia do que é trilhar o próprio caminho, descoberto apenas por você, ninguém mais. Busque.
     Admitindo que existe grande obstáculo como as inúmeras vendas que colocamos, posso partir para a resolução do meu primeiro problema. Um impasse levantou-se no horizonte. Não quero apelar para qualquer tipo de atrito que poderia ser evitado, causar qualquer sofrimento desnecessário. Mas julgo mais cruel da minha parte deixar o outro em qualquer estado em que eu possa ajuda-lo, do que causar qualquer dano.
     É que o dano é que me intriga. Para mim, é bem-vindo. Então porque quero privar as pessoas do dano que posso causar? Eu tenho certeza de vou procurar o melhor no mal que vier até mim. Vou a partir dele evoluir. Mas nunca terei esse sentimento a respeito do outro. 
     É chegado o tempo de mudar. E o farei com um diferencial crucial.

A crítica pura

     Minha solução é simples. A tolerância deverá sempre existir. Da minha parte ela sempre existirá, e crescerá o quanto eu puder nutri-la. Devo mudar outro aspecto: o meu silêncio. 
     A amizade é feita desse conflito. É através dele que muito se constrói, e não apenas do pacifismo e da tolerância. Mas não existe conflito mais genuíno que aquele causa por um questionamento próprio? que terá sua gênese na crítica pura.
     É uma solução teórica, não há certeza em sua eficiência. As relações são muito mais complexas e imprevisíveis, só gostaria de chamar a atenção para esse aspecto, que foi de belo modo traduzido pelo trecho do livro do Hermann Hesse. São numerosas as ocasiões que realmente precisamos brigar, gerar a discussão, o despeito. Mas para que eles tornem-se cada vez mais raros e desnecessários.
     Estamos em etapas diferentes da nossa jornada. Porém a crítica, como há mais de um ano discorri aqui, é universal. E servirá sempre de instrumento para intercalar as experiências, os seres.
   

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